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A história de coquetéis clássicos - parte I

Marcelo Sant'Iago

31/10/2018 12h34

Depois de falarmos sobre os principais ingredientes, que tal conhecer mais sobre a origem e história dos coquetéis clássicos mais populares? Assim como nos ingredientes, vou dividir este post em duas partes, procurando sempre ser o mais objetivo possível.

Prepare-se para ver histórias consideradas legítimas transformarem-se em lendas e caírem por terra.

Bloody Mary

A versão mais difundida é que ele teria sido criado no lendário Harry's New York Bar, em Paris, pelo não menos famoso Fernand Petiot. O nome seria uma homenagem a Mary Tudor, rainha da Escócia. Outra versão diz que o nome é homenagem a uma cliente do bar chamada Mary.

Porém, a mistura de vodka com suco de tomate já existia  e, possivelmente, foi criada por George Jessel, que afirma ter criado o drink em uma manhã em Palm Beach, Califórnia, em 1927. O nome seria homenagem a Mary Brown Warburton, que, ao experimentar a bebida vermelha, a derrubou em seu vestido branco.

Na verdade, o que Petiot fez foi "temperar" a mistura criada por Jessel transformando-a no coquetel que conhecemos hoje. Porém, não em Paris, mas no King Cole Room, bar do hotel St.Regis, em Nova York.

Daiquiri

Daiquiri por Márcio Silva (Guilhotina Bar) em foto por @giugnr

Criado no início do século XX, pelo engenheiro norte-americano Jennings Stockton Cox, enquanto trabalhava nas minas de ferro das montanhas Sierra Maestra, em Cuba, que ficam perto da cidade de Daiquiri. Neste ponto, como quase sempre, surgem duas versões: Cox serviu a um convidado uma mistura de rum Bacardi Carta Blanca – que ele recebia em uma ração mensal – com os ingredientes que tinha à mão: limão e açúcar. A segunda versão, contada pela neta de Cox, diz que um dia ele ficou sem gin e resolveu servir a seus convidados rum misturado com limão e açúcar.

O coquetel tornou-se popular entre um grupo de amigos que trabalhava nas minas de Daiquiri que frequentavam o bar Venus, em Santiago de Cuba (atual Havana). Foi o próprio Cox quem batizou o drink lá, pelo fato de todos trabalharem e terem bebido o coquetel pela primeira vez em Daiquiri. Isso é fato documentado.

Cox anotou a receita original em seu diário: "suco de 6 limões sicilianos; seis colheres de chá cheias de açúcar; seis copos de Bacardi ("Carta Blanca"); dois copos pequenos de água mineral; bastante gelo moído". Todo mundo sabe que Daiquiri é feito com limão (limón em espanhol) e Cox deve ter escrito limão siciliano por ter entendido a pronúncia dos cubanos como sendo "lemon" em inglês. Não há limão siciliano em Cuba.

Espresso Martini

Esse coquetel está voltando à moda, com o aumento do interesse por café de qualidade. Seu nome original era Vodka Espresso e foi criado em 1983 pelo famoso bartender britânico Dick Bradsell, na SoHo Brasserie de Londres. Ele conta que uma cliente pediu um drink que "wake her up, and fuck her up". Ou seja, potente e que a despertasse. No início dos anos 90, a maioria dos coquetéis servidos em taça V ganharam nome de Martini, mesmo quando feitos com vodka (Appletini, Watermelon Martini, etc). Foi aí que Bradsell mudou o nome para Espresso Martini.

Gin Tônica

O Highball (falei sobre eles no post Vai beber o quê?) mais popular do Brasil tem sua origem e criador (a) perdida no tempo. Porém, o gin é consumido desde o XVII, inicialmente por questões medicinais. Já o quinino, base da água tônica, é usado contra a malária há mais tempo ainda. Acredita-se que a mistura de G&T surgiu na Índia, na segunda metade do século XIX, tanto para consumo de lazer (bebia-se muito gin na então colônia britânica) quanto para fins medicinais. Isso principalmente porque as tônicas baseadas em quinino surgiram em meados de 1850 e Schweppes lançou sua primeira tônica carbonatada em 1870.

Mojito

Seu nome e origem são incertos, mas há boas histórias envolvendo o lendário corsário Francis Drake e o escritor/jornalista/aventureiro/macho man/bebedor emérito Ernest Hemingway.

No século XVI, dizem ter sido criado durante uma visita do corsário a Cuba ou a bordo de seu navio um coquetel com aguardiente (destilado precursor do rum), limão, açúcar e hortelã. Seu nome era Drac, Drak ou Draque, dependendo da fonte consultada. Ele era bebido principalmente por seu efeito medicinal.

Quando Don Facundo Bacardi Massó fundou a companhia destilaria que leva seu nome, o drink mudou a base para rum e o nome para Mojito. Há ainda quem diga que o Mojito é uma variação do Mint Julep levada por norte-americanos que visitavam Cuba, especialmente nos anos da Lei Seca.

Hemingway entra na história da seguinte forma: o bar La Bodeguita del Medio, em Havana (Cuba), afirma ter sido o criador do Mojito e onde o escritor preferia beber os seus. Porém, a não ser por um pedaço de papel emoldurado e supostamente assinado por Hemingway que está pendurado no bar, ele não cita o Mojito ou La Bodeguita em nenhum de seus livros, cartas ou memórias.

"My mojito en La Bodeguita. My Daiquiri en El Floridita". Frase atribuída a Ernest Hemingway exposta no La Bodeguita. Foto por Simon Difford

Moscow Mule

Antes de mais nada: a versão original é apenas vodka, limão espremido, ginger beer e gelo.

O coquetel com espuma de gengibre, que bebemos em 10 entre 10 bares brasileiros, é uma variação criada pelo bartender Marcelo Serrano, em 2009 no MyNY bar em São Paulo, para suprir a falta de ginger beer no país naquela época.

A criação original tem duas versões. A primeira diz que John G.Martin, dono dos direitos da vodka Smirnoff nos EUA, e seu amigo Jack Morgan, dono de um famoso pub em Los Angeles e que queria popularizar sua marca própria de ginger beer,  criaram o drink durante uma visita a um bar em Nova York. A segunda versão diz que o Moscow Mule foi criado pelo bartender Wes Price, no bar Cock 'n'Bull. Ele queria desovar um estoque de ginger beer que estava para vencer. Ele serviu o drink ao famoso ator Broderick Crawford e a novidade se espalhou ( ou viralizou, como diríamos hoje em dia).

O que é fato indiscutível: Martin e Morgan foram os grandes promotores do Moscow Mule, ao adotar a caneca de cobre, por sugestão da namorada do segundo, que era herdeira de uma fábrica de…sim, canecas de cobre! Além disso, quando do surgimento da câmera Polaroid, em 1957, o Moscow Mule já era um drink conhecido. Para incrementar as vendas, Martin passou a visitar bares e fotografar bartenders com Smirnoff em uma mão e o drink em outra. Ele dava um instantâneo ao bartender, que o expunha orgulhoso em seu bar, e levava uma segunda foto ao bar seguinte, perguntando se ele não queria entrar para essa galeria.

Moscow Mule com espuma de gengibre, por Marcelo Serrano

 

Bônus: leia a história completa da Batida, Bombeirinho, Caipirinha, Macunaíma e Rabo de Galo em meu artigo para o Difford's Guide.

No próximo post: Cosmopolitan, Dry Martini, Margarita, Negroni e Old Fashioned.

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Sobre o autor

Marcelo Sant'Iago é publicitário e editor no Brasil do Difford's Guide, maior site de receitas de coquetel do mundo. Fã das Aventuras de Tintim, passa boa parte do ano visitando os melhores bares e eventos no exterior, em busca de novidades e tendências que possam ser compartilhadas para trazer aprimoramento ao mercado brasileiro de coquetelaria. Recentemente foi homenageado com um drinque no Sub Astor, o Sant'Iago Fashioned. Ele é colaborador de revistas, consultor e o único brasileiro a fazer parte do Drink Tank, primeira rede global de inteligência voltada para a indústria de bebidas.

Sobre o blog

Pense no balcão do seu bar favorito, aonde você toma bons drinques, conhece pessoas interessantes, conta casos, aprende sobre coquetelaria com bartenders e descobre novos bares para o próximo gole. Saúde!

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