Conheça os ingredientes de seu coquetel - parte II
Marcelo Sant'Iago
17/10/2018 13h20
No post anterior falei sobre tequila, mezcal, vermute, bitter italiano, amaro, bitters, brandy, licor, conhaque e armanhaque.
Hora de complementar a lista com alguns dos ingredientes mais populares usados na coquetelaria, lembrando que aqui o meu intuito é ser curto e objetivo.
Whisky ou Whiskey?
Segundo Simon Difford, "a palavra "uísque" deriva do gaélico uisque beatha, que significa "água da vida"; os uísques são destilados em países do mundo inteiro, incluindo a Escócia, Irlanda, EUA, Canadá, Austrália e Japão. A ortografia "whisky" e "whiskey" varia entre países. "Whiskey"' é a escolhida na Irlanda e Estados Unidos. Já "whisky" é usado por escoceses, canadenses e japoneses, entre outros.
Scotch é o nome popular do blended whisky escocês. Ele é uma mistura (blend) de uísques de cevada maltada (single malt) com grain whisky (uísque de grãos) de diferentes destilarias. Já o single malt é o uísque de cevada maltada de uma única destilaria e não de um único barril como muita gente acha (o de único barril chama single barrel). A mistura de diferentes single malts gera um blended malt whisky. 85% do uísque produzido na Escócia é do tipo blended.
Os single malts são produzidos em 5 regiões da Escócia (Highlands e Speyside, Lowlands, Islands, Islay, Campbelltown) e precisam cumprir 5 requisitos obrigatórios: deve ser de uma única destilaria, só pode ser feito de cevada maltada e nenhum outro grão ou material fermentável e, claro, precisa ser destilado e maturado na Escócia.
Alguns pontos importantes: quando o rótulo de um scotch diz que ele é 12 anos, significa que o single malt mais jovem da mistura tem no mínimo 12 anos. Não é obrigatório dizer o número de maltes utilizados nem a idade do mais velho, apenas do mais novo. Quando não há idade de envelhecimento no rótulo, significa que a mistura inclui um ou mais maltes com menos de 12 anos. Nos anos 80 as pessoas inventaram um tal "Balla 7", que era o Ballantine's sem declaração de idade no rótulo, em comparação ao famoso "Balla 12". Hoje em dia isso é o que chamamos de #fakenews. Pode procurar, não tem 7 em lugar nenhum no rótulo do equivalente atual, o Ballantine's Finest. Também pode procurar no rótulo dos Johnnie Walker Red Label e do exclusivo Blue Label que você não irá achar idade de maturação, pelo motivo explicado logo acima.
Degustação de single malts em Edimburgo, Escócia
Para ser chamado de Bourbon, um uísque precisa obrigatoriamente: ser feito nos EUA (e não apenas no Kentucky, apesar de ser o único estado que pode usar seu nome no rótulo como "Kentucky Bourbon"), no mínimo 51% e máximo de 79% do mosto deve ser composto por milho, deve ser destilado no máximo a 80% alc./vol., embarricado no máximo a 62,5% alc./vol. exclusivamente em barris novos de carvalho (só pode usar o barril uma única vez) e queimado ("charred") e engarrafado no mínimo a 40% alc./vol. Além disso, não pode conter sabores ou corantes artificiais. Não há regra sobre envelhecimento mínimo, mas os que forem envelhecidos menos de 4 anos devem ter o tempo explícito no rótulo. Jack Daniel's é um Tennessee whiskey e passa por um processo extra e exclusivo chamado "charcoal mellow", onde o uísque é suavizado após passar por pedras de carvão de maple, parecido com uma filtragem bem lenta.
Segundo o Artigo 53 do Decreto 6871, que regulamenta a Lei no 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, Cachaça "é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro". Escrevi para o Difford's Guide Brasil um artigo com a história da cachaça.
Enquanto a cachaça é feita exclusivamente do suco da cana (garapa), a maioria dos tipos de Rum é feito melaço, com exceção do Rum Agricole, típico de Guadalupe, Martinica e Haiti, que é produzido como a cachaça. Além do Agricole, o rum pode ser claro, escuro, dourado, envelhecido, apimentado, overproof (mais de 50%alc./vol), aromatizado e navy strengh (54.5%alc/vol), que tem uma história interessante: por mais de 300 anos a marinha inglesa serviu uma ração diária de rum de aproximadamente 284ml, chamada de Tot. Em 1740, a dose única foi dividida em duas de 142ml e diluída em água na proporção 4:1. A tradição do tot começou em 1665, na Jamaica, e durou até 31 de julho de 1970, quando a marinha aboliu a dose, que a essa altura era de apenas 59ml. Essa data é conhecida até hoje com Black Tot Day.
Variedade de rums
Vodka é um destilado que pode ser produzido a partir de qualquer produto que contenha amido. Poloneses e Russos brigam entre si sobre quem é o criador. Os primeiros preferem centeio como base de sua vodka e, às vezes, batatas. Já os soviéticos priorizam o trigo. Ao contrário da crença popular, vodka tem sim sabor e o impacto do "terroir" (região produtora) tem sido cada vez mais explorado em ações de marketing como prova do diferencial de sabor entre elas.
Já o queridinho Gin é um destilado que contém bagas de zimbro e outros botânicos. As línguas maldosas dizem de forma simplista que o gin é uma vodka de alto teor alcoólico aromatizada com zimbro e botânicos ( laranja, angélica, limão, etc). O estilo mais popular é o London Dry, gin seco que surgiu a partir da invenção do destilador por coluna Coffey, em 1831. Ele permitiu um destilado de maior teor alcoólico e bem mais puro. Anteriormente, o estilo mais conhecido nos séculos XVIII e XIX era o Old Tom, um gin feito em alambique de cobre que era adoçado com alcaçuz ou açúcar e aromatizado com limão ou anis, para mascarar o sabor e a má qualidade do produto. Há ainda três outros tipos de gin reconhecidos pela União Européia segundo o local de origem : o Plymouth, feito na cidade inglesa do mesmo nome e atualmente produzido por uma única destilaria; o Gin de Mahón, cidade espanhola e que também só tem uma marca, e Vilnius, na Lituânia, mais um caso de marca única. Há ainda o Sloe gin, que com apenas 26% alc./vol. é praticamente um licor.
Gin composto a frio é considerado um produto de qualidade inferior, aromatizado com extratos de zimbro e óleos de outros botânicos em álcool neutro, sem destilação.
Há outros gins mais "modernos" que usam o mínimo permitido de zimbro e valorizam outros botânicos como seu sabor principal, como pepino, ruibarbo e erva mate, etc. Muitas vezes eles criam categorias próprias, baseados em seu local de origem. O espanhol Nordés, por exemplo, denomina-se um Atlantic Galician Gin. Ele é feito com bagaço da destilação de uvas Albarino. Uma grande tendência no mercado internacional são gins cor de rosa, com infusões de morango, hibisco, etc.
Linha de gins Beefeater, incluindo o Pink, com infusão de morangos, que acaba de ser lançado no Brasil
Nos últimos anos vimos uma explosão de gins artesanais feitos no Brasil, alguns inclusive com álcool de cana como base. O mais comum é o uso de botânicos típicos do país, como caju e pacová, para a criação do aroma. Lá fora, a Espanha passou por um processo semelhante, bem antes do que nós. A febre do Gin Tônica servido no copo balão cheio de "temperos", ao invés do clássico copo logo com apenas limão e gelo, surgiu por lá.
Assista o divertido vídeo Gin Tônica: 2005 vs 2015
Se quiser saber mais sobre a legislação brasileira de bebidas e definições legais, leia o Decreto 68718, de 04/06/2009.
O Difford's Guide Brasil traz a história de todas as bebidas abordadas nos dois posts e muitas outras.
Saúde!
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Sobre o autor
Marcelo Sant'Iago é publicitário e editor no Brasil do Difford's Guide, maior site de receitas de coquetel do mundo. Fã das Aventuras de Tintim, passa boa parte do ano visitando os melhores bares e eventos no exterior, em busca de novidades e tendências que possam ser compartilhadas para trazer aprimoramento ao mercado brasileiro de coquetelaria. Recentemente foi homenageado com um drinque no Sub Astor, o Sant'Iago Fashioned. Ele é colaborador de revistas, consultor e o único brasileiro a fazer parte do Drink Tank, primeira rede global de inteligência voltada para a indústria de bebidas.
Sobre o blog
Pense no balcão do seu bar favorito, aonde você toma bons drinques, conhece pessoas interessantes, conta casos, aprende sobre coquetelaria com bartenders e descobre novos bares para o próximo gole. Saúde!